O lendário cantor e compositor brasileiro Marcos Valle, autor de clássicos como “Samba de Verão” e “Crickets Sing for Anamaria“, está de volta à Europa, para comemorar seus 50 anos de história na música, com show em Londres, neste sábado, no Islington Assembly Hall.
A ElevenCulture mais uma vez uniu forças com a JungleDrums (read the english version, here) e, desta vez, trazemos uma entrevista exclusiva com ele que é um dos mestres da Bossa Nova em atividade no mundo.
Valle é sem dúvida um dos maiores compositores da MPB (Música Popular Brasileira). Como autor de mais de trezentas canções, já foi gravado por artistas como Elis Regina, Tim Maia, Roberto Carlos, Sarah Vaughan, Chicago, Dizzy Gillespie, entres outros.
Conhecido pela carreira internacional como bossa-novista, o artista flertou com rock’n roll, soul, jazz, música de boate e muitos estilos populares brasileiros. Ele também compôs trilhas sonoras de filmes, partituras de novela, assim como trabalhou com uma infinidade de artistas do Brasil e do exterior.
Em um papo musical com CH Straatmann, colunista de Música da ElevenCulture, que também é músico e compositor, o ícone da MPB fala sobre seus 50 anos de carreira, direito autoral, os planos para o show em Londres e revela um segredo inesperado sobre o grupo Azymuth. Leia a entrevista abaixo.
Relembre “Samba de Verão”:
ENTREVISTA COM MARCOS VALLE POR CH STRAATMANN:
CH Straatmann – Em comemoração aos seus 50 anos de carreira, você lançou um álbum ao vivo com a cantora Stacey Kent (EUA). Fale um pouco sobre esse disco e essa parceria…
Marcos Valle – Meu CD com a Stacey comemorando meus 50 anos de carreira, nasceu de um primeiro show que fizemos juntos no Rio, comemorando os 80 anos da inauguração da famosa imagem do Cristo Redentor, quando cantámos juntos “Samba de Verão”. Dalí, evoluiu para um show que montamos só com músicas minhas, e então, resolvemos gravar o show no Rio. A Sony lançou o CD ano passado no Brasil e virou sucesso de crítica e de vendas.
Foi o CD ideal para essa comemoração dos meus 50 anos, pois o casamento entre Stacey e eu, com a participação do marido dela, o saxofonista Jim Tomlinson, e minha banda completa, foi perfeito.
Ouça faixa do disco de Marcos Valle e Stacey Kent:
CH – Nesses 50 anos, que momentos você destacaria na sua carreira?
Marcos – Muita coisa aconteceu de bom nesses 50 anos de carreira. É claro que o início foi marcante, quando ,com meu primeiro disco, Samba demais, ganhei prêmios e me ouvi pela primeira vez cantando nas rádios. Quando “Samba de Verão” e “Preciso Aprender A Ser Só” se tornaram sucessos no Brasil, também foi marcante para mim.
Assim como também quando “Samba de Verão” entrou também nas paradas de sucesso nos EEUU, e eu fui para lá fazer vários TV Shows coast to coast, e gravar dois discos para o mercado americano. Também quando eu voltei de lá, e Viola Enluarada foi número 1 em vendas no Brasil. Previsão do Tempo foi outro momento de muito valor em minha carreira.
Quando os DJs, nos anos 90, na Europa, descobrem minha música, abrindo um novo mercado para mim, atraindo um público jovem, e fazendo com que, além de eu ter meus discos antigos lançados por lá, comece a gravar CDs novos para a FarOut Records, e passe a fazer turnês. Foi outro momento mágico. Mas como sou atraído por coisas novas, cada vez que me apresento em um novo país , ou nova cidade, e cada disco novo que gravo, me traz grande alegria e energia. Recentemente me apresentei com a Orquestra Sinfônica de Moscou e simplesmente adorei…
CH – Você é um dos grandes compositores de Bossa-Nova, mas como músico tem o dom de transitar por muitos diferentes estilos musicais. Como funciona o processo de composição de Marcos Valle?
Marcos – Tive diferentes influências na minha formação musical desde os cinco anos de idade, dos vários ritmos brasileiros, com o samba, o baião, o frevo, a toada, mais tarde da Bossa Nova, mas também do jazz, do rock, da soul music, de Ravel, de Debussy, do Bolero, enfim, isso tudo formou meu estilo. Sou tão empolgado pela melodia e harmonia, quanto pelo ritmo. Por isso, ora minhas músicas são mais suingadas e ora são mais melodiosas. Componho ao piano e ao violão, e às vezes , longe dos dois, numa caminhada, por exemplo. Gosto de compor sob pressão, quando um novo CD se aproxima, por exemplo. prefiro a noite para compor, quando estou mais solitário.
“Sou atraído por coisas novas, cada vez que me apresento em um novo país, ou nova cidade, e cada disco novo, me traz grande alegria e energia”
CH – Em 1973 você fez a trilha sonora para o filme “O Fabuloso Fitipaldi”, em colaboração com os músicos do Azymuth. Como funcionou essa colaboração? Vocês ainda trabalharam juntos em outros projetos?
Marcos – Eu já havia feito (em parceria com Novelli) e gravado uma música chamada “Azymuth”, para a abertura de uma novela de TV chamada “Véu De Noiva”, sobre um piloto de corridas. O nome Azymuth veio de um aparelho que marca a direção utilizada nos carros de corrida (aviões também). Mais tarde, dois diretores importantes de cinema, resolveram fazer um filme sobre o Fittipaldi, bi campeão de Fórmula 1 e pediram que eu fizesse a trilha. E como eram fãs da minha música “Azymuth”, da novela, pediram para que eu desenvolvesse mais essa música, pois ela seria o tema de abertura do filme. Assim foi feito. Chamaram para tocar comigo nesse disco três rapazes talentosos, Bertrami, Alex e Mamão. Trabalhei nos arranjos com o Bertrami, que fez as orquestrações.
Quando o disco ficou pronto, eu não podia aparecer como artista, só como autor da trilha, pois eu tinha um contrato de exclusividade com a EMI (na época chamada ODEON) e esse disco estava sendo feito para a Polygram (na época, PHILLIPS). Então, surgiu a ideia de colocarmos como intérprete, Conjunto Azymuth, por causa da minha música.
Só que Bertrami, Alex e Mamão pediram se daí em diante, eles podiam usar o nome Azymuth, para o Trio que eles estavam formando. Eu não só dei a autorização, mas também me tornei o Padrinho (Godfather) do grupo. Eles gravaram também do meu CD Previsão Do Tempo, me acompanharam em vários shows, gravaram várias músicas minhas, eu os homenagiei em meu CD com Celso Fonseca, tocamos juntos no Japão, enfim, nossas carreiras são muito ligadas.
Soundtrack do filme “O Fabuloso Fitipaldi” by Azymuth:
CH – O rapper norte-americano Doug E. Fresh era considerado o pioneiro do beatbox, mas na faixa “Mentira” (Previsão do Tempo, 1973) você já havia utilizado esse recurso. Você ficou surpreso ao ser apontado como um dos precursores do beatbox?
Marcos – Sim , fiquei bastante surprêso . Não imaginava nem almejava tanto , mas se assim fui considerado , fico muitissimo feliz.
CH – Você (ao lado de Paulo Sérgio Valle e Nelson Motta) é autor do tema “Um Novo Tempo”, que desde a década de 70, faz parte das comemorações de fim de ano da Rede Globo. Você acha importante que haja uma lei que determine a identificação do nome do autor em obras vinculadas na mídia?
Marcos – Sim , acho justo que todo autor tenha seu nome citado quando uma obra sua é vinculada em qualquer mídia
Ch – E o show comemorativo aqui em Londres, como vai ser?
Marcos – O show que aí farei incluirá músicas minhas que compus e gravei em diversas épocas de minha carreira, desde os tempos na EMI, passando pelos CDs da FarOut e CDs recentes no Brasil. Estarei com minha banda, cantando e com os sons do Rhodes, piano acústico e sintetizador, e arranjos novos para as músicas. Tudo com muita energia.