Silvino entrevistando a baterista e percussionista paulista Simone Sou
(Chico César, Mutantes, Funk Como Le Gusta)
Quem nunca pensou em mudar o rumo da sua história, largar o emprego que não te faz feliz e jogar tudo pra cima em busca de mais qualidade de vida? Ou ainda, quem nunca pensou em estudar/trabalhar em um país desenvolvido, conhecer outra cultura, pessoas interessantes e viver um grande amor?
O sociólogo baiano/pernambucano Silvino Ferreira Jr., após 20 anos de carreira no mercado publicitário nacional, encontrou o amor do outro lado do atlântico e decidiu largar tudo e se mudar de vez para Londres, no Reino Unido. Mas a sua afinidade com as artes e, em especial, a cultura brasileira seguiu com ele na bagagem.
Promotor da cultura brasileira
Desde 2009, Silvino e Susan Ferreira são sócios-fundadores do Canal Londres e da produtora audiovisual Dot.TV Productions, onde juntos vêm produzindo mini documentários, relatando a vida de brasileiros na capital britânica, além de produzirem vídeos sobre turismo, design, artes plásticas e música – que ganhou uma página totalmente dedicada aos artistas brasileiros de passagem em solo britânico.
Entre os artistas que já foram detectados pelo seleto radar do Canal Londres, estão cantores e músicos contemporâneos – alguns mais conhecidos por lá, outros com mais nome no Brasil – como Tânia Mara, Tulipa Ruiz, Céu, Sabrina Malheiros, Adriano Adewale, Mônica Vasconcelos, Marcelo Andrade, Nega Jaci e Jandira Silva.
Vamos saber mais sobre a história e a trajetória desse baiano que vem dando o que falar em Londres. Leia a entrevista abaixo:
Lívia Rangel – Como surgiu a decisão de deixar a carreira de publicitário no Brasil e se mudar para o Reino Unido?
Silvino Ferreira – Eu trabalhei muitos anos como redator publicitário, mais de 20 anos, mas nunca fui um publicitário convicto. No começo achava fácil, ficava impressionado com o que pagavam por aquelas bobagens.
Depois a profissão foi ficando chata, você vai crescendo, ganhando mais e vai virando mais um executivo que um criativo. Eu, nos últimos anos de atividade, passava mais tempo em salas de reuniões, ouvindo relatórios, lendo pesquisas, e “briefings” quilométricos, que diante do meu computador.
Juntou a isso a eterna frustração de ver a propaganda brasileira ser tão “embranquecida” (a primeira vez que trabalhei com dois colegas negros no departamento de criação de uma agência foi em Portugal) e, em 2004, resolvi que não trabalharia mais em agências.
Considero que, para o meu perfil, até que fiz uma carreira bem sucedida, com passagens por algumas das melhores agências do Brasil. Foi bom enquanto durou, me deu condições de viajar, fiz grandes amigos, mas cansei.
A vinda pro Reino Unido não foi planejada. Eu havia morado um ano aqui, como estudante, e fiquei muito amigo de uma poeta, fotógrafa e tradutora inglesa, Anne-Marie Glasheen, e, no início de 2006 decidi voltar para passar um período de dois meses aqui. Num jantar, na casa da Anne-Marie, conheci a Susan, que, oficialmente, é minha esposa desde 2007. Também pesou, claro, o fato de que considero Londres uma cidade sem igual, pelo menos entre as que eu conheço.
LR – Você me falou que vem acompanhando o trabalho de músicos brasileiros que estão em Londres. Quem você já pôde conhecer?
SF – O Canal Londres começou com a ideia de documentar a vida de brasileiros na cidade. Antes mesmo do lançamento, em abril de 2009, expandimos a ideia para a Europa. A decisão de ter uma página especialmente dedicada a músicos, veio da constatação de que era grande o número de músicos brasileiros vivendo em Londres.
Conheci muita gente. Em especial, recordo da Tânia Maria que, embora relativamente desconhecida no Brasil, tem uma carreira internacional muito bem sucedida. A Tulipa Ruiz é uma artista que curti muito, tanto o show como a entrevista. Fiquei amigo da Sabrina Malheiros, que vive no Rio mas tem contrato com uma gravadora daqui. Difícil enumerar, tem a Céu. Só citei nomes que não residem aqui, porque tenho muita admiração pelo trabalho do Adriano Adewale, um percussionista brasileiro que me lembra Naná Vasconcelos.
Tem a Mônica Vasconcelos, excelente cantora e compositora, muito admirada por músicos ingleses, que é minha amiga, para quem estou produzindo um documentário sobre os 20 anos da carreira dela em Londres. Marcelo Andrade, que acabou de lançar um CD intitulado African Tree, com participação de 70 músicos, e que foi muito bem recebido pela crítica daqui. Vamos lançar um vídeo sobre o lançamento do CD, em breve. Tem a Jandira Silva, belíssima cantora. Tomara que os que não foram citados não leiam essa entrevista…(risos) É uma lista longa. A gente no Canal Londres não é muito de correr atrás de famosos, porque eles não precisam da gente.
“É uma boa experiência conhecer o seu país
olhando de fora pra dentro”
LR – Muita gente que mora fora do Brasil admite que acabou se conectando mais fortemente com a cultura brasileira depois que saiu do país. Com você aconteceu isso?
SF – Não diria que fiquei mais conectado com a cultura brasileira porque sempre fui, mas diria que passei a me sentir mais brasileiro. É uma boa experiência conhecer o seu país olhando de fora pra dentro. A gente vê melhor as qualidades e os defeitos, comparando com o que tem aqui.
Brasileiro André Deco (à esq.) mora num barco à beira do rio Tâmisa
iBahia – O Canal Londres seria um forma de manter a cultura brasileira presente na sua vida, mesmo em solo estrangeiro?
SF – A ideia não foi essa, mas acabou acontecendo. Pra ser franco, eu pensava que, com o Canal Londres, eu estaria rico em um ano. Pura ilusão.
LR – Como você enxerga a força da música brasileira no exterior? Quais os nomes mais consumidos atualmente no Reino Unido?
SF – É inegável que a música brasileira tem prestígio aqui fora, mas também é verdade que pouca coisa apareceu depois da Bossa Nova que realmente impressionasse, pelo menos aos ingleses. Recentemente, o Seu Jorge teve o nome bem badalado aqui, e isso se deve muito a um CD que ele gravou com músicas de David Bowie. Tem algumas cantoras com certo prestígio: a Cybelle, a Céu, a Nina Miranda. Em casas de prestígio como o Ronnie Scott’s, de vez em quando vem o Marcos Valle, a Tânia Maria, a Joyce. Gilberto Gil é nome respeitadíssimo aqui. Recentemente, numa entrevista no principal noticiário da BBC 2, ele foi tratado com muita reverência, chegando a ter a importância comparada a Bob Marley.
“Gilberto Gil é nome respeitadíssimo aqui, chegando a ter a importância comparada a Bob Marley”
LR – Artistas nordestinos como Lucas Santtana, Gaby Amarantos, BaianaSystem, entre outros, têm realizado turnês europeias de sucesso, mesmo não sendo tão rentáveis quanto os ícones da MPB. Como você avalia esse novo momento da nossa música?
SF – São excelentes músicos, assim como alguns outros que poderiam estar nessa lista, mas sinto que falta à maioria deles um gerenciamento mais profissional da carreira. Pela música que estão fazendo, merecem mais. Vejo muita turnê improvisada.
LR – Com a derrocada das gravadoras (o cantor Fagner diz que hoje se parecem mais com clubes de futebol – “onde vale mais o empresário do que o craque”) o Brasil tem passado uma certa crise de exportação e divulgação de seus produtos culturais no exterior. Você acha que o Brasil precisa investir mais na divulgação da nossa cultura e dos novos artistas no exterior?
SF – Sou contra governo entrar nessa, porque, como a gente sabe, não vai privilegiar a qualidade. Entra o apadrinhamento, o jogo político e os beneficiados serão os mesmos de sempre. O problema é que ninguém conseguiu substituir o papel que antes era das gravadoras. Eu sou mais familiarizado com o movimento musical que surgiu em Pernambuco, a partir de Chico Science, mas acho uma pena que, paralelamente, não tenham surgidos bons empresários, gerenciadores de carreiras.
“Se o Brasil investisse em educação musical, formação de audiência, os resultados seriam melhores que qualquer lei de incentivo”
Eu acho um absurdo que os ingleses não conheçam a música que se está produzindo em Pernambuco como deveria. Se o governo investir em educação musical, formação de uma audiência, em poucos anos os resultados seriam melhores que qualquer lei de incentivo. O que precisa é o público ter dinheiro para ir a um concerto, criar o hábito, fazer com que o músico tenha condições de se manter com dignidade. O mundo é muito pequeno, se ele fizer uma carreira sólida no Brasil, a expansão para o exterior é um processo natural, que só precisa ser bem administrado. Como acontece em qualquer carreira.
LR – Tem saudades do Brasil? Pretende voltar e montar algum projeto por aqui?
SF – Tenho saudades, mas a internet encurta distâncias e nunca passo mais que 2 anos sem ir ao Brasil. Aqui, descobri que gosto e sei cozinhar e isso alivia muito a saudade. Hoje, eu mesmo faço a minha feijoada, a minha rabada, o meu camarão na moranga. A vida no exterior revela potenciais que você nunca imaginou que tivesse dentro de si. Se eu tiver chance de montar um projeto no Brasil, será a maior alegria. Já tenho começado a elaborar projetos nesse sentido, mas não vou abandonar a base aqui, porque gosto da cidade, amo a minha mulher e me sinto feliz aqui.