• redacao@elevenculture.com
    • Novidades da música brasileira no mundo
    20/12/2014 Livia Rangel

    Perfil Ângela de Castro: uma estrela brasileira no National Theatre de Londres


    No espetáculo A Ilha do Tesouro, em cartaz no National Theatre,
    a atriz Ângela de Castro vive Israel Manos. Foto: Johan Fersson

    Em cartaz com o espetáculo Treasure Island (Ilha do Tesouro) que acaba de estrear numa das casas de teatro mais renomadas de Londres, o National Theatre, a atriz e clown de teatro Ângela de Castro aceitou o convite da Eleven Culture para um bate-papo no café do teatro. Numa longa conversa, ela conta um pouco da sua trajetória e revela os bastidores da carreira de sucesso de uma estrela do clown na Inglaterra. De Castro já se apresentou em diversas turnês mundiais, tendo passado por 34 países, além de participado de filmes como “Luz Nas Trevas”, “Dandy Dust” e “Deviant Beauty”. 

    Ela é também diretora e professora de clown e a fundadora do Contemporary Clowning Projects (CCP). Suas performances e metodologia foram premiadas no Reino Unido e internacionalmente, incluindo um prémio da Royal Scottish Academy of Music and Drama por sua contribuição a arte da palhaçaria.

    • “A Ilha do Tesouro” fica em cartaz no National Theatre, em Londres, até o dia 8 de Abril de 2015. Para maiores informações e ingressos, acesse o site oficial.


    Depois de receber uma menção honrosa da União Brasileira de Escritores ainda na adolescência, a carioca Ângela de Castro, na época com 17 anos, num acaso (palavra recorrente em sua vida), ao acompanhar uma amiga atriz a um teste de elenco num teatro em Ipanema, acaba sendo convidada a fazer teste e “sem querer” entra para o teatro profissionalmente. Aos 21 anos, apaixonada, ela se muda para São Paulo e começa a trabalhar com diretores renomados como Antunes Filho, com quem estreia o aclamado espetáculo teatral “Macunaíma”, no qual permaneceu por quatro anos. Em turnê com “Macunaíma” pela Europa, De Castro conhece pela primeira vez o trabalho do clown e encontra seu verdadeiro caminho artístico.
     

    De volta ao Brasil e a procura desse ‘novo teatro’ que encontrou na Europa, acaba se associando ao diretor José Lavigne (ex-diretor do Casseta e Planeta) abrindo sua própria companhia, a “Trutas e Mutretas Diversões” – onde produziu, atuou e ganhou diversos prêmios. De Castro então retorna a Europa em turnê com uma produção da sua nova companhia e consciente de que ainda não havia conseguido desenvolver o trabalho do clown com propriedade no Brasil, resolve fazer um curso em Londres. É ai que se dá o início de sua carreira internacional e sua radicação permanente no pais. 

    Elenco de Treasure Island no ensaio: Alexandra Maher, Claire-Louise Cordwell, Lena Kaur, Heather Dutton,
    Raj Bajaj, Patsy Ferran, Angela De Castro, Ben Thompson and Jonathan Livingstone. Foto by Johan Persson

    >> Confira entrevista exclusiva com a atriz brasileira Ângela de Castro, direto de Londres: 

    Thais Mennsitieri – Como se deu a passagem de jovem escritora promissora para atriz de teatro?
    Ângela de Castro – Eu não tinha a menor intenção de ser atriz. Meu negócio era escrever e ser poeta. Tanto que entrei pra faculdade de Letras, mas só cursei meio ano. Acompanhando uma amiga a um teste para uma peça profissional, eu tô lá sentada esperando ela, e chega o diretor me chamando para fazer o teste pois precisava de mais uma pessoa para formar número par… morri de rir era um negócio sobre animais, tinha uns bichos na história… Acabei passando e minha amiga dançou. Foi o fim daquela amizade e o início da minha careira (risos). O diretor era o Luiz Mendonça, que é um diretor de teatro popular, pastorio, um cara do Nordeste, super legal. Na época, ele tinha o Teatro de Arena do Rio de Janeiro, no largo da carioca.

    ThaisPor que a mudança do Rio de Janeiro para São Paulo nessa época?
    Ângela – Minha vida, minha profissão, é tudo meio por acaso. Na verdade, eu não fui pra São Paulo por causa do teatro, fui porque eu me apaixonei por uma pessoa e fui morar com essa pessoa. E lá, eu não conhecia ninguém, aliás conhecia duas pessoas: a Denise Stoklos e a Claudia de Castro – que não é minha parente mas também é atriz. E um dia eu tava andando na rua, e por acaso, encontrei com o coreógrafo da peça dos animais que fiz no Rio e ele me disse que o Mendonça estava na cidade procurando elenco pra um pastorio de fim de ano. Eu fui, e assim comecei a trabalhar em São Paulo. 

    Thais – E aí o teatro de São Paulo se abriu...
    Ângela – Nessa peça conheci atores paulistanos, alguns eu fiquei muito amiga e uma delas, a Lizete Negreiros me falou de um teste no Sesi pra um espetáculo sobre a vida do Noel Rosa e me convidou para ir com ela. Eu perguntei o que era, ela disse que era pra o corpo de baile (risos). Eu falei: ‘olha pra gente, a gente não é bailarina’ (risos). Mas ela insistiu, fomos e passamos, e foi um barato. Fiquei um ano fazendo essa peça. 

    Thais – E como foi que surgiu sua parceria com Antunes Jr.?
    Ângela – Nesse elenco, eu conheci a Anali Prestes que falou pra mim: ‘o Antunes vai gostar muito de você’. Eu nunca entendi por quê, pois eu fazia um papel mínimo mas ela insistiu: ‘Vai lá, ele tá fazendo um projeto lá pro sindicato’. Ele tinha acabado de voltar da Europa e queria pesquisar o physical theatre, tentar fazer uma coisa nova e usou o sindicato, que promovia cursos todos os anos, como plataforma para testar esse troço. Então lá fomos nós – 400 pessoas fazendo o teste, três dias. Aí eu passei. Era pra ficar um mês com 30 pessoas, depois reduziu pra 15, e foi assim que começou o “Macunaíma”.

    Thais – Você trabalhou no “Macunaíma” durante 4 anos, porque decidiu sair?
    Ângela – Quando eu comecei a fazer “Macunaíma” eu já tinha alguns anos de carreira, meus contemporâneos já estavam todos fazendo papeis mais legais, protagonistas e eu sempre gostava de fazer papéis que não falavam muito, personagens com possibilidade de criar sua própria narrativa e isso começou a me incomodar… mas porque eu só gosto de personagens pequenos e tenho essa paixão pelo detalhe? Ai quando estávamos em turnê aqui pela Europa com o Macunaíma eu fui num festival e nós estavam todos lá, o Peter Brook, a Pina Bausch mas todos estavam falando de um espetáculo na mostra paralela e eu fui ver. E era um espetáculo com um cara sozinho com duas cadeiras e um pacotinho e o espetáculo inteiro era passar o pacote de uma cadeira para outra procurando qual era o melhor lugar pro pacote dele. Todos ficaram super emocionados e eu falando gente, o que é isso, eu nunca vi esse tipo de teatro e um cara me disse: ‘isso é o teatro clown’. Ai é que a ficha caiu e eu falei, ah é isso ai que eu sou! Eu não sou esquisita, não sou estranha… eu sou isso! Ai eu voltei pro Brasil, saí do Macunaíma e comecei essa procura.


    “Ninguém sabia o que era isso
    (o clown de teatro) no Brasil,
    achavam que eu tava maluca”
    .



    Thais – Foi durante essa procura que você fundou sua companhia com o diretor José Lavigne?

    Ângela – Sim mas ainda não era o trabalho do clown, ninguém sabia o que era isso no Brasil, achavam que eu tava maluca. Ai fundei uma companhia de circo e teatro com o José Lavigne, fizemos 2 espetáculos, foi o maior sucesso mas ainda não era isso. 

    Peça “Macunaíma”: Cacá Carvalho, Deivi Rose, Ângela de Castro, Mirthes Mesquita, Isa Kopelman,
    Salma Buzzar e Theodora Ribeiro. Foto: Ruth Toledo (Acervo Idart/Centro Cultural São Paulo) 

    Thais – Ainda quando estava trabalhando com o José Lavigne, você recebeu um convite para apresentar uma peça na Europa. Foi nesse período que o clown entrou na sua vida profissional?
    Ângela -Eu só comecei a trabalhar com o clown em 1986, seis anos depois que conheci o palhaço na minha primeira viajem a Europa. Quando voltei pela segunda vez, resolvi passar por Londres pra visitar uma amiga médica, ela não tinha nada a ver com teatro, mas ela me falou: ‘olha, sabe esse negócio de clown que você fica falando? Vai ter um curso aqui em Londres. Por que você não fica aqui comigo e faz esse curso? Eu te ajudo’. Aí eu falei com o Lavigne, e ele falou: ‘fica, você sempre quis isso’. Aí eu fiquei…

    Thais – E como se deu o início da sua carreira no teatro britânico? 
    Ângela – Eu acabei ficando mais tempo pra fazer o avançado do curso, fiquei seis meses. Quando eu ia voltar pro Brasil me chamaram pra fazer um teste. Eu fui por curiosidade, só pra saber como os testes eram feitos aqui, nem tinha o menor interesse de fazer a peça, mas passei no teste. Eles me ofereceram um contrato de quatro anos aqui com uma companhia de circo e teatro com atores e palhaços da Lecoq.

    “O palhaço do teatro é baseado em ideias
    e não tanto na gague, não é uma coisa
    engraçada pelo engraçado, que é ótimo
    também, mas é outra linha”
     

    Thais – Você trabalha com o palhaço do teatro, qual a diferença desse palhaço com o da rua e do circo?
    Ângela – Isso é uma polêmica muito grande, eu quero deixar bem claro que não há uma comparação, não há um melhor ou um pior, são apenas linhas diferentes.O palhaço da rua tem um apelo mais popular, mais rápido, o do circo tem mais técnicas desenvolvidas, tem as acrobacias, o slap-stick etc. O palhaço do teatro é baseado em idéias e não tanto na gague, não é uma coisa engraçada pelo engraçado, que é ótimo também mas é outra linha. 

    Thais – Como aconteceu o convite para trabalhar no novo espetáculo do National Theatre, o “Treasure Island”?
    Ângela – Também foi por acaso. Eu tava pra ir dirigir uma brasileira na França e depois dar uma oficina em São Paulo quando recebo uma ligação da diretora de elenco do National Theatre, que eu já conhecia por acaso e ela me perguntou se eu estava disponível, eu falei: ‘talvez, por quê?’. Ela disse: ‘você quer vir aqui fazer um personagem que fala espanhol?’. Bom, eu falo um portunhol, então, fui! Descobri que eu ja tinha trabalhado com a autora que estava fazendo a adaptação, a Bryony Lavery, ela escreveu um espetáculo para mim chamado “Minha Vida Que Nem Um Ioiô” e eu também já conhecia a diretora então fiz a leitura e eles me chamaram.

    “Um dos meus sonhos era trabalhar
    no National Theatre. Esse espetáculo
    é uma super produção do National,
    uma peça para todas as idades”

    Thais – Me fala um pouco sobre esse espetáculo.
    Ângela – Eu tenho vários sonhos e sou muito abençoada porque consigo realizar todos eles, pode demorar mas eu realizo. Um dos meus sonhos era trabalhar no National Theatre. Esse espetáculo é uma super produção do National, uma peça para todas as idades que eles chamam de ‘family show’ e eles fazem todo ano, esse ano é “A Ilha do Tesouro”.


    Assista ao trailer de “Treasure Island”:

    Thais – E o seu personagem é pequeno como você gosta? Sem muita fala?

    Ângela – Sim! Um papel mínimo e ainda falo em português! Me atrapalho toda porque o inglês já é tão automático em mim que eu falo inglês pensando que tô falando português (risos). É um personagem masculino, uso uma barba e uma barriguinha. Ele é um pirata completamente inepto que é somente um bom navegador e é por isso que ele tá ali mas ele mesmo se atrapalha todo, cai toda hora, muito legal. Vale a pena, ainda por cima tem um navio enorme que me aparece do chão no meio do espetáculo!

     

    Livia Rangel

    Filha da Bahia, radicada em Berlim. Jornalista, empreendedora, editora-fundadora da ElevenCulture.com e diretora da Agência Lira. Bacharel em Jornalismo, mestre em Comunicação Corporativa (Unifacs) e especialista em Marketing Digital (Udacity). livia@agencialira.com

    VAI SAIR EM TURNÊ INTERNACIONAL?

    Estamos sempre de olho na agenda de shows e lançamentos dos artistas brasileiros no exterior. Mande sua sugestão de pauta pelos nossos canais. Acompanhe a Eleven!