Em entrevista exclusiva para a Eleven, o músico Marcelo Lobato, um dos membros fundadores d’O Rappa, antecipa o que a banda está preparando para o lançamento do disco Nunca Tem Fim na Europa. A tour chega a Londres sábado, dia 11 de julho, no Electric Brixton (clique aqui para adquirir o ingresso).
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Na conversa, o baterista/tecladista revisita a carreira do Rappa e fala do sucesso do novo álbum. Ele avalia o atual momento politico e social pelo qual o Brasil está passando e mete o dedo na ferida, criticando o projeto de Redução da Maioridade Penal, o fracasso das UPPs no Rio de Janeiro, a omissão do Estado com os jovens e alerta o perigo de uma onda reacionária no país. Lobato comenta ainda sobre os diversos projetos paralelos encabeçados pelos músicos da banda.
Para quem não conhece a história do artista, Lobato é baterista e tecladista do Rappa desde a sua fundação. Tocou na banda como tecladista até 2001, quando Marcelo Yuka foi baleado e ele assumiu a bateria. Com a saída de Yuka, se tornou o baterista principal e os teclados ficaram por conta de seu irmão, Marcos Lobato.
ENTREVISTA COM MARCELO LOBATO (O RAPPA):
Lívia Rangel – Os shows d’ O Rappa têm uma particularidade: o transe coletivo com a plateia. Passados 20 anos na estrada, como os shows ainda mexem com vocês?
Marcelo Lobato – Com certeza temos maior entrosamento no palco após todos estes anos. O Rappa é uma banda que gosta de estar no palco e faz muitos shows. Essa intimidade no palco nos dá muita liberdade para subverter o roteiro inicial e improvisar abertamente. Os shows nunca se repetem. Os shows do Rappa são como rituais para nós e ainda fazemos com muito prazer. Cada show é especial.
Lívia – O Rappa retorna a Londres após 6 anos. Qual a lembrança da última passagem em terras inglesas? Os fãs brasileiros estão ansiosos por aqui…
Lobato – Tocar em Londres é sempre inusitado. Foi onde mixamos nosso primeiro álbum em Brixton, no estúdio do Linton Kwesi Johnson ( Sparkside ). O Jungle estava bombando na época. É uma cidade cosmopolita e aproveitamos para descobrir as novidades que estão rolando.
Lívia – Pelo que tenho acompanhado, a turnê brasileira tem sido um sucesso, com shows lotados em todos os lugares… Estão preparando algo especial para a turnê europeia?
Lobato – Devemos dar ênfase ao nosso último disco, ” Nunca Tem Fim”, mas deve acontecer um apanhado de todos os álbuns. Como o Rappa gosta de se arriscar, é de se esperar que as improvisações corram soltas.
“O brasileiro tem essa característica
de superação, de ser criativo com pouco…
Uma forma de dar a volta por cima”
Lívia – Mudando um pouco de assunto… o Brasil vive hoje um momento delicado: de um lado o governo aprova medidas austeras com perdas ao trabalhador, do outro, forças reacionarias e religiosas tentam regredir conquistas da sociedade brasileira, tudo sem um debate democrático e honesto. Como você tem visto essa nova onda? Os artistas populares não parecem se posicionar em quase nada no país…
Lobato – Na verdade as pessoas ainda tentam compreender o momento. Todos falam de uma crise e é inevitável. Temos um problema antigo que agora se tornou um monstro, a corrupção. A diferença é que toda essa lama hoje, está sendo destrinchada diariamente nos jornais. A meu ver, o fato do governo até hoje não investir primordialmente em educação, nos tornou uma nação frágil e suscetível as mais cruéis manobras políticas, principalmente, na hora do voto.
Por um lado, existe uma corrente que defende as causas socialistas sem o mínimo de autocrítica e outra reacionária que parece que se esqueceu dos Anos de Chumbo no Brasil. Ao mesmo tempo, faltam lideranças. Em 2013 tivemos manifestações nas ruas sem precedentes. Apartidárias. Infelizmente, elas aos poucos foram deturpadas e perderam a força. Acho que o ano de 2015 ainda nos guarda muitas surpresas.
Lívia – Como você enxerga projetos como os que querem a redução da maioridade penal para 16 anos e a revogação do Estatuto do Desarmamento, liderados pela chamada “bancada da bala” no Congresso Nacional?
Lobato – Essas medidas são paliativas. Querem tratar das consequências e se esquecem das causas. O Brasil é muito cruel com a juventude. Mais uma vez a questão da educação. Nada mudou em relação a questão das drogas que está diretamente ligada as armas. Não existe uma real política de inclusão para estes jovens. As UPPs, por exemplo, que eram o carro-chefe do governo do Rio de Janeiro, por exemplo, já estão perdendo força. Elas não deram continuidade a um projeto futuro com relação as comunidades carentes, onde elas estão instaladas. Realmente, estamos passando por um momento perigoso quando ideias reacionárias ganham força.
Lívia – A letra de ‘Auto-Reverse’ diz: “Uma doce família / Que tem a mania / De achar alegria / Motivo e razão / Onde dizem que não / Aí que tá a mágica, meu irmão”. O povo brasileiro ainda pode ser considerado aquele povo “alegre e cordial”?
Lobato – O brasileiro tem essa característica de superação, de ser criativo com pouco…Uma forma de dar a volta por cima. É algo que deve ser resguardado. Por ocasião da Copa do Mundo, esse jeito de ser foi o diferencial em meio a toda desorganização e maquiagem das cidades. A gente percebe quando viaja para outros países. Por outro lado, isso não pode ser confundido com falta de atitude ou omissão.
Assista ao clipe da faixa “Auto-reverse”:
Lívia – Os integrantes de O Rappa, como músicos ativos na cena cultural brasileira, têm diversos projetos paralelos, com bandas, estúdios, selos independentes. Fala um pouco sobre esses projetos, algo novo chegando?
Lobato – Falcão tem o Loucomotivos, uma banda de covers. O Lauro tem seu próprio estúdio ( Mens ), onde ele produz bandas; Xandão tem o estüdio Caroçu que também lança bandas novas de Curitiba, e eu pretendo lançar ano que vem o terceiro disco da minha banda de música africana Afrika Gumbe. No final do ano temos um projeto de gravar um DVD, mas que ainda está em momento de gestação. Estamos finalizando um projeto na Baixada Fluminense (RJ), Donana que será uma espécie de Centro Cultural.
Lívia – Desde O Rappa (1994) até Nunca Tem Fim (2015), o que mudou na sonoridade da banda?
Lobato – Tudo mudou. No primeiro álbum éramos essencialmente reggae, apesar de misturar samba, guitarras pesadas, scratches… Aos poucos aprendemos a manipular os equipamentos, a experimentar mais timbres e mantivemos a busca pelas idéias originais. Instrumentos acústicos com sons eletrônicos. O Dub…
Lívia – Na sua opinião, o que esse último álbum representa na trajetória de O Rappa?
Lobato – Esse álbum denota um amadurecimento maior da banda em estúdio. Estamos mais concisos com relação às ideias e existe uma energia renovada. Foi providencial termos parado de tocar juntos por esses dois anos e cada um de nós experimentar outras experiências fora do Rappa.
Lívia – Se pudesse deixar uma mensagem em nome do Rappa, o que você diria?
Lobato – O Rappa acredita nas ideias, no suor do trabalho, no amor plural.
Assista ao clipe da faixa “Anjos Pra Quem Tem Fe”: