Fachada do cine Odeon Covent Garden – Londres, onde rolaram todas as exibições
Como você pode já ter percebido, ao longo deste mês, nossa coluna realizou uma cobertura especial no VI Brazilian Film Festival of London (BRFFL), que aconteceu na capital britânica, de 09 a 13 de maio. Marcamos presença em todas as sessões e, aos poucos, estamos resenhando aqui o que de mais importante rolou na festa do cinema brasileiro em Londres.
Leia também:
- Acompanhe a coluna de cinema com Tiago Di Mauro
- Conheça a coluna de música e mercado com CH Straatmann
Hoje vamos relembrar a significativa participação do audiovisual baiano, dentro da programação de filmes, por meio da exibição do longa-metragem ‘A Coleção Invisível’ e do elogiado curta ‘Jessy’. Confira ainda uma entrevista rápida com o diretor Bernard Attal (‘A Coleção Invisível’).
No penúltimo dia do Festival de Cinema Brasileiro, segunda-feira (12), foi exibido o longa ‘A Coleção Invisível’ de Bernand Attal, precedido pelo ótimo ‘Sylvia’ de Arthur Ianckievicz, do Paraná – sobre o qual falaremos melhor em outro momento.
Diretor Bernard Attal e o ator protagonista Vladimir Brichta
A COLEÇÃO INVISÍVEL
Francês radicado na Bahia há quase 10 anos, Bernard Attal traz por cenário em seu primeiro longa a região cacaueira do Sul do estado. E concebe assim, que a Bahia contemporânea deixe de ser lembrada apenas por imagens de Salvador, a capital. E de certa maneira, nos leva de volta, e atualiza o imaginário daquela região, que nos foi fortemente oferecida na literatura de Jorge Amado, em livros como ‘São Jorge dos Ilhéus’ ou o clássico ‘Gabriela’.
Entretanto, não foi em Jorge Amado que Attal se inspirou para adaptar um conto e deflagrar a depressão da região cacaueira, mas sim, no conto homônimo de Stefan Zweig, novelista extremamente popular e um dos maiores do mundo entre 1920 -1930.
“A cultura baiana inspira meu trabalho”. Bernard Attal, cineasta
‘A Coleção Invisível’ tem por fio condutor a busca da personagem do ator soteropolitano Vladimir Brichta em superar o trauma de uma tragédia, e é a conseqüente dor desse trauma que rege a emoção do filme, nos guiando na jornada em busca da tal coleção invisível. Último filme do ator Walmor Chagas, impecável, figuram também Paulo César Pereio, divertido, e Fernando Guerreiro.
No filme, fica demarcada a afinidade do diretor francês com a Bahia, denunciada na rica fotografia, na direção dos atores e na maneira singular de apresentar essa terra, tão visualmente explorada, mas que ele tira do clichê pra reapresentá-la.
NOVO CINEMA BAIANO
Na eminência da chegada de novas produções baianas na telona, que têm por característica essa releitura da Bahia – lançamentos como ‘Antes da Chuva’ de Claudio Marques e Marilia Hugues, além da aguardada estréia em longa metragem de Daniel Lisboa com ‘Tropikaos’ – aproveitei a oportunidade e perguntei ao diretor Bernand Attal:
Tiago Di Mauro – Você está há 10 anos na Bahia e se diz até baiano. Seu filme se passa na região litorânea cacaueira do Sul da Bahia, tem protagonista baiano e diante de tantos elementos desse estado e dessa forte cultura, que tem um cinema muito característico e especifico, eu te pergunto: você faz cinema baiano?
Bernard Attal – Eu creio que eu faço um cinema baiano no sentido que a cultura baiana inspira meu trabalho. ‘A Coleção Invisivel’ resulta de um trabalho longo e intenso de pesquisa para adequar o conto de Stefan Zweig ao contexto baiano. Agora, se a definição do cinema baiano for uma maneira exuberante de se expressar, não é bem meu estilo. Mas também eu não acredito muito nessa definição.
Os filmes de Roberto Pires têm pouco a ver com as obras de Glauber. Filmes recentes como ‘Cuíca de Santo Amaro’, de Josias Pires e Joel de Almeida, ou ‘Depois da Chuva’, de Claudio Marques e Marilia Hugues, também apresentam um olhar pessoal e diferente sobre a Bahia. Não se fala de um cinema carioca ou paulista. Então, porque confinar o cinema baiano dentro de um estilo único?
Nada testemunha melhor da diversidade da cinematografia da Bahia do que a produção recente de curta-metragens. Os maravilhosos ‘Jessy’ e ‘O Menino do Cinco’, muito diferentes um do outro, são ambas produções baianas.
TDiM – Quais filmes e quais profissionais desse cinema te inspiram?
Attal – Minha grande inspiração é o cinema de Jean Renoir que sabia misturar como ninguém o drama e a comédia, falar de coisas importantes com uma mão leve. As obras de Eduardo Coutinho e de Leon Hirzman são também uma referência importante para mim. Não me canso de assistir ‘As Canções de Coutinho’.
De uma forma geral, eu tiro um prazer enorme de assistir documentários brasileiros. Por esse motivo mesmo, eu acho que a grande obra do cinema brasileiro de ficção é ‘Iracema’, de Jorge Bodansky e Orlando Senna, que soube render perfeitamente essa fronteira extremamente sutil que existe no Brasil entre a ficção e a realidade, entre a verdade e a mentira.
‘Nada testemunha melhor da diversidade da cinematografia da Bahia do que a produção recente de curta-metragens.’ Bernard, sobre ‘Menino do Cinco’ e ‘Jessy’
Os diretores Rodrigo Luna, Paula Lice (que protagoniza o filme) e Ronei Jorge
VIRANDO DRAG QUEEN
Elogiado por Attal, ‘Jessy’, dos baianos Paula Lice, Ronei Jorge e Rodrigo Luna, também fez bonito, logo após a exibição de ‘A Coleção Invisível’, no penúltimo dia do BRFFL. Aliás, tirou gargalhadas da audiência e teve a sorte de uma sala cheia, em decorrência da vantagem do horário de exibição, às 20h.
Ao contar a história da transformação de uma mulher, a atriz e diretora Paula Lice, na Drag Queen ‘Jessy’, o filme surpreende por não ser clichê. Como falar da temática Drag Queen, de uma Salvador com humor e mostrar equipe de filmagem em cena, sem entrar em ambiente comum? Um emaranhado de situações já tão mastigadas em tantos outros filmes, mas que tomam um novo fôlego na força da montagem do curta, na escolha de que cena mostrar, ou não, inclusive, por não exibir a cena que pode se dizer a mais esperada.
“‘Jessy’ anuncia uma vontade do cinema baiano de sair do armário”
Uma ideia simples, por vezes ambígua, tem cara de documentário, mas pode ser ficção, que entretém a audiência pelo bom humor e pelo bom gosto criativo. A produção anuncia uma vontade do cinema baiano de sair do armário, ainda que discreto, mas na crista da onda da temática homossexual no audiovisual brasileiro, com produções recentes como ‘Tatuagem’, de Hilton Lacerda e o polêmico ‘Praia do Futuro’ de Karim Ainuz – que mostra Wagner Moura (outro baiano diga-se de passagem) em cenas quentes de sexo gay.
‘Jessy’ animou a audiência e foi bastante aplaudido. Comunicou-se bem com a plateia internacional e aponta para novos ares de uma geração de cineastas que a Bahia vem apresentando, numa cadeia de curtas metragens bem sucedidos e que tem rodado bastante o Brasil, em festivais. Pelo mundo, os curtas vêm chegando aos poucos, recentemente teve a estreia de ESC4ESCAPE (do qual participei), de Alexandre Guena, no BOYOB Moving Image 2013.
A grande expectativa fica em ver essa geração produzindo longas-metragens, na expansão do discurso audiovisual brasileiro, para uma audiência cada vez maior e num momento em que o Brasil é alvo de tantos interesses internacionais. Que nos assistam, então!
*Colaborou Lívia Rangel.