Conforme anunciado anteriormente aqui, a capital britânica vai receber, a partir desta quinta-feira(03), o festival La Linea Latin Music Festival que vai reunir nomes tradicionais e da nova safra de artistas da música latina – de diversas partes do mundo. Uma das atrações mais esperadas do evento é o artista pop e jazzista brasileiro Ed Motta que conversou com a ElevenCulture.
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O show de Ed Motta, com abertura da violoncelista Dom La Lena, acontece no próximo dia 07 de abril, na Union Chapel, em Londres, dentro da programação do La Linea. Os ingressos saem a 20 libras e podem ser adquiridos aqui.
Nessa entrevista, realizada pela editora da Eleven, Lívia Rangel, e o colunista de Cinema Tiago Di Mauro, em parceria com a revista inglesa JungleDrums (leia a versão original em inglês, aqui), Ed fala sobre a turnê britânica do álbum AOR, critica o atual cenário musical brasileiro e revela sua paixão pelos seriados, trilhas de cinema e dá dicas de vinhos. Confira!
ENTREVISTA:
Lívia Rangel – Durante o La Linea Festival você vai se apresentar com a violoncelista gaúcha Dom La Lena, que está com um projeto solo elogiado. Como surgiu a ideia de dividir a noite com ela? Vai haver algum dueto?
Ed – O Festival foi quem contactou os artistas. Eu estarei no meio de uma turnê no Reino Unido. A única coisa que sei é sobre meu show. Poderia ser bacana tocarmos juntos, mas nós não temos muito tempo para organizar alguma coisa, até porque todo mundo tem pouco tempo para passagem de som etc.
L.R. – Tem como adiantar um pouquinho do que o público britânico vai curtir? Vai tocar músicas do AOR?
Ed – Sim, a maior parte do repertório será baseado no meu álbum AOR (em tempo: AOR significa Adult Oriented Rock ou Album Oriented Rock) e as versões em inglês dessas canções. Além de algumas músicas instrumentais e alguns dos meus hits radiofônicos brasileiros. Na verdade, eu venho fazendo música AOR há anos, então tem um pouco de AOR em todas as canções e jazz também.
L.R. – Ainda falando do AOR, nesse último disco você consegue soar pop através de uma linguagem rebuscada, com arranjos jazzísticos e uma pós-produção maravilhosa. Fala um pouco mais desse álbum e de como ele vem sendo recebido.
Ed – Está indo muito bem no universo da AOR. Livros e guias de música no Japão mencionaram o álbum, uma das faixas chegou a ser número 1 na North Wave FM; excursionei com David T. Walker; na França vai indo muito bem, etc. No Brasil, ele teve vendas expressivas no iTunes. O mesmo acontece na Argentina aonde eu tenho uma grande base de fãs. Artista de música pop que sou, eu posso dizer: o gênero anda meio perdido nos últimos 30 anos, música pop tem outros valores nos dias de hoje e, claro, não é música, não é mais arte.
“Música pop tem outros valores nos dias de hoje
e, claro, não é música, não é mais arte”
AOR (2013) é o 10º álbum de inéditas de Ed Motta, ouça íntegra abaixo:
L.R. – Músicos profissionais brasileiros na Europa são festejados pelo “groove” e bagagem diferenciados, uma espécie de selo de qualidade. Como você avalia a realidade do instrumentista no mercado musical brasileiro atual? Muitos preferem se mudar para o exterior…
Ed – Nos dias de hoje, o verdadeiro músico profissional tem que lutar contra muito mais coisas do que nunca. Pra cada músico que realmente toca um instrumento, estuda, pratica, existem talvez 100 bandas indie com um babaca/indie usando um Fender Jaguar fora do tom tocando terríveis acordes abertos desafinados, com uma cantora bonita cantando melodias ingênuas como uma criança. Essa é a situação agora… e isso acontece no mundo todo, não é verdade?
Tiago di Mauro – Entrando agora na seara do audiovisual. Você já gravou temas para filmes e já assinou trilhas de produções como ‘O Pequeno Dicionário Amoroso’ da Sandra Werneck. Fala um pouco sobre esse processo da construção dos temas e a curadoria das trilhas para cinema.
Ed – Eu me lembro no início dos anos 90 de fazer uma trilha sonora de filme que foi a única oportunidade que tive de experimentar coisas que tinha estudado e aprendido com muitos músicos. Eu tenho uma enorme influência de compositores de trilhas sonoras, como Henry Mancini, na maneira como eu penso na harmonia, voicings, cores, etc. Eu também tive a sorte de escrever um musical no Brasil com dois dos maiores mestres desta área aqui: Cláudio Botelho e Charles Moeller. É muito parecido com a veia da Broadway, musicalmente falando, muito influenciado por Stephen Sondheim e Cy Coleman.
TDiM – Andei lendo que você ama séries americanas como Perdidos no Espaço e MacGyver. Como é que este passatempo entra em sua vida e influencia o seu trabalho?
Ed – Sou obcecado por Magunm PI (risos). A trilha de Mike Post é um verdadeiro clássico AOR, cada episódio é uma sinfonia AOR (risos). Sou louco pelo trabalho do gênio inglês Gerry Anderson em Joe 90, Thunderbirds, Stingray, Captain Scarlet etc. MacGyver é ok, não sou um grande fã não (risos). Perdidos no Espaço, uau, Jesus Christ!, de Irwin Allen, um dos maiores nomes, eu amo. Mas minha série de TV favorita é Columbo com o grande Peter Falk.
TDiM – Está acompanhando alguma série contemporânea?
Ed – Não, não. Nada contemporâneo, música, cinema, arte, séries de TV, nada de agora me apetece realmente. A última série de TV que eu gostei foi Twin Peaks de David Lynch, uma obra-prima. No mundo da música, eu amo a Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz da Bahia e o Lucas Arruda do Espirito Santo. Eles me salvaram de uma completa depressão por que, “mamma mia”, que período estúpido nós estamos vivendo…
TDiM – Você é também um aficionado por vinhos. Teria alguma sugestão de vinhos brasileiros?
Ed – Sim, eu não sou um nacionalista, mas eu posso dizer uma coisa sem medo: vinhos brasileiros são o que há de mais interessante vindo do novo mundo, eles são mais franceses. A França produz os melhores vinhos do globo, é como música norte-americana: eles são os melhores tecnicamente e mais do que nós podemos imaginar.
O Pinot Noir Marco Daniele chamado Prelúdio para mim é o melhor Pinot Noir fora da França, e eu sou do tipo radical sobre vinhos franceses, só bebo vinhos franceses. O Merlot Dominio Vicari é muito delicado também. Era Dos Ventos, um excelente vinho branco da rara uva Peverella. Vinho brasileiro tem um estilo fora do padrão que agrada ao gosto de um Robert Parker (crítico de vinhos). Claro, existe vinho estilo Parker aqui, mas há mais do que isso, uma geração tentando fazer algo muito puro e honesto.
Espero que a música tenha essa sorte no futuro…