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    10/03/2014 Livia Rangel

    Entrevista: Filipe Catto abre o jogo sobre preconceito, música e carreira internacional


    Filipe Catto, 26 anos, cantor, compositor, violonista e pianista brasileiro, nascido em Lajeado (RS), criado em Porto Alegre e radicado em São Paulo, é o nosso entrevistado da semana. O rapaz de pele alva, traços finos, cabelos e olhos negros é um daqueles fenômenos da música em que basta uma única audição para causar uma sensação de frescor no ouvinte atento.

    Comigo não foi diferente. Já tinha escutado a canção “Saga” que trilhava uma das poucas novelas da TV Globo que acompanhei assiduamente, Cordel Encantado. Mas confesso que ali ainda não tinha atentado para Filipe (pensava que era a voz de uma mulher, alguma nova cantora). A “revelação” veio ao assistir, por algum desses acasos da internet, ao vídeo da música “Adoração” (assista abaixo). 

      

    Encantada pela novidade, mergulhei no universo desse jovem cantor, com fala de artista maduro, e que já goza do status de estrela, assinando contrato com uma das mais poderosas corporações da música mundial (Universal Music), sendo apontado como um dos melhores da sua geração. Atualmente, Catto possui um EP (Saga), dois álbuns (Fôlego e Entre Cabelos, Olhos e Furacões) e um DVD lançados.

    Há algumas semanas escrevi uma matéria – em mais uma parceria com a revista Jungle Drums de Londres – onde elegíamos as 30 estrelas da nova música brasileira. E para nossa surpresa (ou não), os leitores na capital britânica nos enviaram uma enxurrada de mensagens celebrando a música de Filipe Catto.

    Na entrevista, que você lê logo abaixo, ele fala sobre música, nova MPB, relação com a gravadora, mercado, sociedade brasileira, carreira e outras intimidades, confira:

    Lívia Rangel – Artistas da nova MPB/Pop como você, a Céu e o Vanguart vêm emplacando músicas inéditas em novelas da TV Globo, com enorme aceitação do público. Acha que a TV aberta brasileira está mais atenta e disposta aos novos talentos da música?

    Filipe Catto – Acho que esse é um processo natural, uma vez que todo o cenário da música está mudando muito rapidamente. Antes, a pirâmide era invertida, e o artista tinha que subir até as grandes mídias para desaguar no público. Hoje a internet acabou com isso, e as grandes mídias, a televisão, a rádio precisam se atualizar, o público pede por isso.

    “Existe um momento musical muito precioso, muito poderoso, sem equivalentes, sem nostalgias”

    Ainda há muito o que fazer, a televisão brasileira carece de bons programas de música, e os canais que faziam esse papel acabaram ou substituíram sua grade por reality shows e programas de humor. Mas acho que aos poucos vamos mostrando nossa cara. Existe um momento musical muito precioso, muito poderoso, sem equivalentes, sem nostalgias. Não é como nenhuma outra coisa que já se viu… Cada um desses artistas novos é todo um universo riquíssimo.

    Lívia – A Universal Music abraçou o seu trabalho desde o disco de estreia, Fôlego (2011), renovando a parceria em Entre Cabelos, Olhos e Furacões (2013). Como tem sido trabalhar com um dos grupos mais poderosos do mercado fonográfico mundial?

    Filipe – Tem sido muito bacana. Eu acho que qualquer parceria tem de ter transparência, e isso é o que aconteceu desde o início na gravadora. Eles têm seu papel, eu tenho o meu, e acho bacana unir forças pra fazer o trabalho acontecer. Mas isso significa trabalho conjunto mesmo, eu meto a mão na massa sem dó. Estar numa gravadora não significa alienação dos meios de produção, pelo contrário. É uma via de mão dupla, minha responsabilidade enquanto artista e profissional só aumenta. 

    Lívia – Fala um pouco mais dessa experiência de integrar o catálogo da Universal. Já teve a oportunidade de conhecer os grandes ícones como Caetano Veloso, Edu Lobo, Gal? Sem falar na constelação que é o catálogo internacional da gravadora… 

    Filipe – Ah, não é bem assim! Eu adoraria conhecer todos eles, e conheço alguns, mas muito superficialmente, como fã mesmo. Já encontrei o Caetano, a Gal, que foram muito doces, muito bacanas, mas eu morro de vergonha! Lenine é maravilhoso, pessoa incrível… Seu Jorge… O que eu acho mais legal é poder pegar os discos, as caixas de disco e levar pra casa.

    Lívia – Você canta, toca violão e piano, compõe. Onde se sente mais à vontade, no palco ou em estúdio? Porquê?

    Filipe – No palco, sem dúvidas, porque é onde eu sinto que eu sou realmente artista com todas as letras. É onde a música está viva, pulsando, e eu gosto é de tocar em tempo real. Tudo que eu faço é para estar ali, até mesmo gravar um disco. O disco pra mim é um pretexto pra estar no palco.

    Lívia – Seus discos vêm resignificando ritmos mais românticos como Tango e Bolero na MPB, trazendo-os para a contemporaneidade. Como eles entraram na sua vida?

    Filipe – Pelo rádio, pela televisão. Eu adoro essas canções, cresci ouvindo de tudo, desde Elis até Pixies. Eu gosto do despudor da música romântica, do desespero do bolero. No fim da noite, o que a gente quer ouvir mesmo é essa coisa rasgada. Eu acho que a nudez que esse repertório propõe é absolutamente rock´n´roll. Maysa é rock´n´roll, Elis, Buika, La Lupe, Bola de Nieve. Esses artistas me trazem algo absolutamente kamikase.

    Eu gosto do despudor da música romântica, do desespero do bolero


    Lívia – Dia desses vi pela sua página do Facebook um post em que você dizia: “Se eu fosse uma canção, eu seria essa: The Killing Moon do Echo and the Bunnymen”. Onde entra o rock na sua arte? Você chegou a integrar uma banda de rock quando mais novo, se não estou errada, né?

    Filipe – O rock é meu berço, é de onde eu vim originalmente. Eu sou gaúcho, cresci e me desenvolvi artista em Porto Alegre, e lá o rock é um assunto sério. Eu sempre vi mais o rock como atitude que como som, quando eu comecei a tocar eu era frontman de um power trio. Tocava guitarra e cantava, aí minha banda se dissipou e eu fui tocar sozinho, só com violão. E dessa experiência vieram as primeiras canções, e a coisa de ser um artista solo, com nome e sobrenome. 

    “O rock é meu berço, é de onde eu vim originalmente”

    Lívia – Músicas autorais como “Saga” e “Adoração” viraram grandes hits. Como tem sido a resposta do público às suas músicas na turnê do disco Entre Cabelos, Olhos e Furacões. Qual a mais pedida nos shows, por assim dizer?

    Filipe – Nem sei dizer! “Saga” sempre é fortíssimo, “Adoração” também! A galera gosta de cantar junto, mas tem umas músicas que surpreenderam, tipo “Crime Passional”, “Ascendente em Câncer”, “Dia Perfeito”… As pessoas pedem as que saem do repertório também, às vezes a gente improvisa no bis!


    Lívia – Em uma publicação de janeiro, a Eleven Culture – juntamente com a Jungle Drums – elegeu as 30 estrelas da nova música brasileira. Você foi um dos artistas mais festejados pelos leitores de Londres. Tem planos de expandir a turnê para a Europa, se apresentar no Reino Unido? 

    Filipe – Não vejo a hora de voltar para a Europa, ano passado nos apresentamos em Lisboa e foi maravilhoso, acima de todas as expectativas, fui recebido com muito respeito pelo público europeu. Eu adoraria ir pra Londres o quanto antes, mas isso independe da minha vontade. Eu dependo de convite pra festivais e outras iniciativas pra poder levar o show praí, porque viajar com a equipe é muito caro. Mas acho que logo estaremos em terras inglesas, já está na lista de intenções.

    “Não vejo a hora de voltar para a Europa, fui recebido com muito respeito pelo público europeu”

    Lívia – Mudando um pouco de assunto…está acontecendo uma votação pelo site da Câmara dos Deputados que vem dividindo a opinião dos votantes sobre a definição de família como núcleo formado a partir da união entre homem e mulher, prevista no projeto que cria o Estatuto da Família. Por enquanto os conservadores vêm ganhando. Qual a sua opinião sobre esse tema? Acha que o Brasil avança ou regride nesse sentido?

    Eu acho isso de uma ignorância tremenda, sinto uma vergonha tão grande quando vejo isso. Vergonha mesmo, de ver onde o desespero do conservadorismo chegou, está meio patético. Eu acho que é tudo circo, especulação, porque a sociedade já mudou, as pessoas já mudaram. Todo mundo tem direito a amar, a ter sua família, eu vejo isso no dia dia. Eu acho que o Brasil está avançando de certa forma, agora já pode casar e tudo, mas faltam algumas coisas básicas, como a criminalização da homofobia, que é fundamental. Parece aquela coisa de dois passos pra frente e um para trás, não dá pra esquecer que somos feitos de tradição e de transgressão o tempo todo.

    “A sociedade (brasileira) já está muito diferente, por isso eu sinto que a intolerância e o desespero do conservadorismo está tão latente”

    Mas a sociedade já está muito diferente nesse sentido, por isso eu sinto que a intolerância está tão latente. Não é que não existia, mas agora como as conquistas estão sendo alcançadas, os mortos vivos saem da tumba e ficam enchendo o saco. Eu, pessoalmente, acho uma discussão velha, boba, irracional, é obvio que os conservadores estão completamente errados, sem embasamento e calcados em opiniões religiosas totalmente sem nexo.

    Eu acredito em outro mundo, fico muito feliz de ver nos shows a diversidade da plateia, gays, famílias, pessoas de idade, garotas com suas namoradas e os filhos dos amigos todos juntos cantando, eu acredito nisso, num sistema onde as escolhas sejam livres, onde isso não seja mais um assunto de discussão. Viver e amar é muito mais natural do que isso.

    Lívia – Quem é o Filipe por trás do ‘Filipe Catto’?
    Filipe – Um ser comprometido com o próprio espírito, com a própria verdade e com as transformações que acontecem constantemente. Cabelos, olhos e furacões.

    Livia Rangel

    Filha da Bahia, radicada em Berlim. Jornalista, empreendedora, editora-fundadora da ElevenCulture.com e diretora da Agência Lira. Bacharel em Jornalismo, mestre em Comunicação Corporativa (Unifacs) e especialista em Marketing Digital (Udacity). livia@agencialira.com

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